Foi numa manhã de domingo que
conhecemos Kleber Galvêas em sua residência na Barra do Jucu. Das explanações
sobre as pinturas e rabiscos de Homero Massena pela casa e o convite para
acompanhar mais um capítulo da saga “A Vale, a Vaca e a Pena” que iria ocorrer
meses depois, percebi em Kleber muito mais do que um contador de histórias, mas
um intelectual preocupado com o meio em que vive e com os rumos que a gestão
pública dava ao meio ambiente na cidade.
Todas essas histórias foram ouvidas enquanto saboreava um delicioso sorvete de araçaúna.
Todas essas histórias foram ouvidas enquanto saboreava um delicioso sorvete de araçaúna.
Semanas depois, armado com minhas
ferramentas de trabalho, gravador, máquina fotográfica e um bloco de anotações,
fui até a Barra do Jucu, para entrevistar Kleber.
A casa pequena, antiga e acolhedora é uma das raras casas de antigos pescadores que ainda sobrevive e se mantém em pé, graças ao cuidado de seu proprietário que a preserva com todo cuidado, pois ali dentro há algo muito valioso, pinturas e rabiscos na parede de seu mestre, Homero Massena.
Sentado na sala, Kleber expõe a
história da reserva natural que é sem sombra de dúvidas um dos grandes parques
ambientais de Vila Velha, a Reserva de Jacaranema.
- Um dia eu perguntei para as crianças onde elas iam pescar e elas me respondiam, ‘nhanhanema’ (forma fonética como Kleber entendeu o que as crianças disseram). Como não entendi, repeti a pergunta e o meu entendimento foi o mesmo, então pedi a minha mulher que me ajudasse a entender para onde as crianças iam pescar, e ela então entendeu algo como, jacaranema. Dessa forma, procurei um professor que dominasse a língua tupi e este me disse que seria algo como ‘jacare+nema’ ou seja, jacaré catingoso. Isso certamente poderia ser o lugar onde um jacaré havia morrido e seus restos mortais estavam exalando um odor muito forte, explicou Kleber.
Essa conceituação fonética foi
exposta com o intuito de compreendermos o significado e a simbologia dos
lugares existentes em nossa cidade.
Para compreender a história dessa
reserva Kleber relata que toda esta área fazia parte da mata do Juçará, que era
integrante da Mata Atlântica “possuía árvores grandiosas e animais de várias
espécies”. Essa mata estava localizada em um conjunto de ilhas entre as águas
do Rio do Congo, que vem da Ponta da Fruta e de um pequeno afluente que vem do
oeste, o Rio da Mata, ali ambos se encontraram indo desaguar na foz do rio
Jucu.
Posteriormente a construção da
Rodovia do Sol e a especulação imobiliária a área foi loteada, mas manteve-se o
verde. No início dos anos 80, as árvores monumentais foram abatidas e vendidas
para fornos de padarias. Depois atearam fogo no que restou.
- Um dia, quando andava de
bicicleta pela Rodovia do Sol, observei o fogo na mata, corri até o posto
policial e pedi que eles, os PMs, solicitassem auxílio do Corpo de Bombeiros,
mas como eu não era o proprietário da área, eles não levaram em conta o meu
apelo, pois naquela época somente os proprietários de terras é que podiam
solicitar ajuda do Corpo de Bombeiros para apagar o incêndio, conta Kleber.
É bem verdade que a preocupação
com o meio ambiente só ocorreu após a segunda metade do século passado (XX) e
posteriormente ao fim do período da ditadura militar que ocorreu no país.
- Depois disso, organizei uma
apresentação de congo em frente à prefeitura municipal, pedindo a
desapropriação da região como patrimônio natural do município, mas entrou e
saiu prefeitos e ninguém desapropriou a área. Ela só foi tombada graças a
intervenção da Banda de Congo da Barra, através do Seu Honório e Seu Alcides,
eles apoiaram a idéia e foram levados para as entrevistas defendendo o
tombamento e fornecendo inúmeras informações sobre a área. Essa participação
resultou ainda na grande divulgação da Banda de Congo, que até então tinha uma
participação obscura no cenário estadual. Finalmente a área foi tombada em
1982, pelo Conselho Estadual de Cultura, Como resultado dessa grande
articulação e envolvimento da comunidade local, alcançou-se grande repercussão
e outras iniciativas do gênero se sucederam no Espírito Santo, inspirando o
capítulo de Meio Ambiente, na Constituição de 1988, relatou.
Até então, em 1982 a única região
da localidade que podia ser considerada de mata, com uma grande extensão
contínua era Jacaranema.
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